Durante a Grande Depressão, favelas cresceram nos arredores das cidades americanas. Populadas por aqueles que perderam seus empregos e foram despejados, essas “Hoovervilles” se tornaram um símbolo indelével do sofrimento humano causado pela Depressão. Essas favelas receberam seu nome em zombaria ao presidente dos primeiros quatro anos da Depressão, Herbert Hoover (1929-1933). Ele gostava de dizer aos americanos que “a prosperidade está logo na esquina,” embora não oferecesse absolutamente nenhuma assistência aos desempregados e sem-teto.
Estudantes secundaristas e universitários dos Estados Unidos aprendem sobre as Hoovervilles a partir de seus livros de história, que tratam as favelas como um exemplo de pobreza americana que foi extinto pelo New Deal de Franklin Delano Roosevelt, para nunca mais voltar.
Mas as Hoovervilles estão de volta.
Um artigo de primeira página do New York Times de quinta-feira (“Cidades lidam com onda de crescimento de favelas”) descreve o ressurgimento dos acampamentos itinerantes na paisagem urbana dos EUA. O mais conhecido desses acampamentos está perto de Sacramento, Califórnia. Cerca de 125 pessoas hoje residem nessa Hooverville, localizada na capital do Estado americano mais rico e populoso.
Ainda assim a tendência de favelização é bem mais geral do que o foco da mídia na cidade-barraco perto de Sacramento dá a entender. Hoovervilles ressurgem em Phoenix, Estado do Arizona; Olympia e Seattle, Washington; Reno, Nevada; Portland, Oregon; Nashville, Tennessee; St. Petesburg, Flórida, e Fresno, Califórnia; entre outros.
Os moradores desses acampamentos vivem em barracas, ou então cabanas feitas de madeira velha, metal descartado, papelão e outros tipos de sucata. Não possuem água corrente, eletricidade, encanamento ou remoção de resíduos.
O Times se concentrou em Fresno, uma cidade de 500.000 habitantes. Há hoje cinco favelas ao redor de Fresno. Michael Stoops, o diretor executivo da Coalização Nacional para os Sem-teto, descreveu os residentes desses acampamentos como “pessoas capazes que trabalhavam diariamente, por um salário mínimo ou mais, e que anteriormente possuíam residências que sustentavam por sua renda.”
A população dessas Hoovervilles representa apenas uma pequena porção daqueles que não possuem moradia. Antes da aprovação do pacote de estímulo da administração Obama, a Aliança Nacional pelo Fim da Falta de Moradia estimou que 3.4 milhões de americanos devem estar desabrigados este ano — um aumento de 35 por cento em relação a 2007. Esse número equivale a toda a população de Berlim; é maior que o da população de Chicago e do Estado do Iowa.
Impulsionando o crescimento do desabrigo está a crise das hipotecas. As fileiras dos desabrigados, porém, também estão sendo aumentadas por ex-inquilinos. Ironicamente, o pico nos processos de hipoteca está forçando a subida dos preços de aluguel conforme o suprimento total de moradia se contrai. Além disso, apartamentos estão sendo hipotecados, jogando na rua mesmo os inquilinos que não atrasaram seus pagamentos.
Antes da crise econômica se apresentar claramente, uma maioria da população sem-teto possuía empregos, e cerca de 41 por cento era de famílias com filhos. Especialistas acreditam que a parcela dos sem-teto composta por pobres trabalhadores e famílias com filhos subiu consideravelmente.
A crescente onda de desabrigo foi encarada com indiferença pela administração Obama. A crise social massiva que está varrendo os Estados Unidos foi quase totalmente ignorada pela conferência televisiva de Barack Obama na noite de terça-feira. A única pergunta que apontava para as dimensões da crise social que engole os EUA era sobre as novas cidades-barraco. Um repórter da revista Ebony perguntou a Obama “o que ele diria às famílias, especialmente crianças, que estão dormindo embaixo de pontes e em barracas ao redor do país.”
A resposta de Obama não apontou qualquer encaminhamento prático. Ele assegurou que estava de fato “de coração partido que qualquer criança na América esteja desabrigada,” uma declaração que parece quase tão sincera quanto sua “raiva” em relação aos bônus para os executivos da AIG. Obama não fez qualquer proposta, se referindo vagamente a uma “gama de programas [que] lidam sim com o desabrigo.”
“A coisa mais importante que posso fazer em prol dos desabrigados é assegurar que seus pais tenham empregos,” ele disse. Em outras palavras, sua administração não tem qualquer plano para lidar com a crise da moradia. Suas propostas de criação de empregos são insignificantes diante do crescimento extraordinário do desemprego. Na quinta-feira, o Departamento do Trabalho relatou que as requisições continuadas de benefícios-desemprego aumentaram para 5.56 milhões, um número que de fato subestima consideravelmente a crise de empregos nos EUA.
Esta é a administração, precisamos relembrar, que um dia antes, na quarta, anunciou um novo pacote “público-privado” trilionário de resgate aos grandes bancos. Esse não foi o primeiro resgate a Wall Street, e nem será o último. Dito isso, entre empréstimos, injeções de dinheiro, nacionalizações, e garantias sobre as dívidas, os contribuintes ajudaram Wall Street com cerca de 8 a 10 trilhões de dólares. Em comparação, o pacote de estímulo de Obama inclui 1.5 bilhões de dólares para a “prevenção” do desabrigo na forma de assistência financeira direta e assistência para realocação de moradia, voltada a pessoas que estão ameaçadas de perder suas casas.
Obama não incluiu qualquer medida, seja em sua proposta orçamentária, seja em seu pacote de estímulo, para auxiliar famílias de baixa renda com os pagamentos de aluguel. E seu plano de ressuscitar o mercado imobiliário não irá diminuir os preços superfaturados das hipotecas de milhões de lares americanos que foram “submergidos,” com seus proprietários devendo mais que os valores de mercado de suas casas. Ele assegurou assim que as fileiras dos desabrigados continuarão a crescer.
Os defensores liberais de Obama, como a revista The Nation, cuspiram muita tinta tentando comparar Obama a Roosevelt. Eles promovem a ilusão de que o New Deal foi responsável por encerrar a Grande Depressão. De fato, foi a Primeira Guerra Mundial e a destruição de boa parte da economia mundial — e de pelo menos 60 milhões de vidas — que acabou com a crise econômica. As verdadeiras mudanças na estrutura social, além disso, vieram não do estamento político, mas pelas ações de massa da classe trabalhadora.
Ainda assim, o que mais marca os primeiros meses de Obama na presidência é a completa ausência de qualquer programa sério de reforma social.
Em seus primeiros 100 dias, Roosevelt — um representante da burguesia que via as reformas sociais como um meio necessário de preservação do capitalismo — lançou uma “sopa de letrinhas” de programas como a Administração de Garantias Agrícolas, a Administração de Realocação de Moradia, a Administração de Eletrificação do Campo, a Autoridade do Vale do Tennessee e as Brigadas de Conservação Civil que procuravam empregar centenas de milhares, trazer eletricidade até vastas áreas, e melhorar as condições de vida da extensa população rural.
A administração Obama, que governa há apenas dois meses, foi caracterizada por um impulso unilateral de apropriação de vastas riquezas públicas para a elite financeira através de grandes resgates aos bancos.
Para capitalizar sobre o ódio de classe sentido por milhões de americanos, Roosevelt emitia comentários regulares contra os “comerciantes de dinheiro” em Wall Street. Obama, por outro lado, faz todo o humanamente possível para capitular à mesma elite financeira primeiramente responsável pela miséria econômica que confronta milhões.
Num discurso que virou a realidade de ponta-cabeça, Obama disse aos presentes em um encontro de CEOs de alto nível, “Suas companhias propeliram a prosperidade de comunidades por todo o país, e as histórias de sucesso de incontáveis indivíduos. Elas enriqueceram nossa nação; serviram como um tributo ao espírito duradouro do capitalismo americano.”
Longe de implementar uma nova agenda de reformas, Obama deixou claro na terça-feira que um ataque massivo sobre os programas sociais está sendo preparado, para ser implementado logo que os resgates aos bancos estejam completos. Ele se referiu repetidamente ao alto custo da saúde e à necessidade de uma “Reforma de titularidade” — ou seja, as dívidas estatais acumuladas com as remessas de dinheiro à Wall Street serão pagas através de cortes em assistência medica, seguridade social, e outros programas.
O contraste com Roosevelt é evidente. Como Trotsky colocou, “A riqueza da América permite a Roosevelt seus experimentos.” Os vastos recursos industriais do capitalismo americano formavam a fundação objetiva da reforma social que tinha como finalidade conter os antagonismos de classe.
A posição dos Estados Unidos é hoje muito diferente. O vasto enriquecimento da oligarquia financeira — que mantém um controle ferrenho sobre todo o estamento político e midiático — se desenvolveu em conjunção com o declínio do capitalismo americano e a erosão de seus fundamentos industriais. Como as ações da administração Obama deixam claro, a classe dominante não sustenta qualquer base de apoio para uma reforma social.
A última Grande Depressão levou não só às Hoovervilles — símbolos do colapso econômico — mas também a enormes levantes sociais. Os antagonismos de classe que surgem inexoravelmente da crise atual serão a base objetiva para um poderoso ressurgimento do socialismo revolucionário.